Você sabe a diferença?
A principal utilidade de diferenciar um quadro de uso, abuso e dependência de drogas é para definir a estratégia mais adequada de intervenção, pois não se trata da mesma forma um usuário de drogas e um dependente de drogas.
Como lidar com os diferentes padrões?
No caso do uso, a situação só vai chegar ao profissional quando a família vai buscar ajuda por estar incomodada com o consumo do seu familiar. Em geral, esses casos correspondem a pais de filhos adolescentes.
Para essas situações, algumas sessões de orientação familiar podem conduzir a soluções satisfatórias para a família e para o usuário.
No caso de abuso, é importante compor a orientação familiar com psicoterapia individual e, dependendo do caso, utilizar outros recursos como exame toxicológico, psiquiatria ou grupos de mútua ajuda.
Quando o quadro é de dependência, existe a necessidade da utilização de uma gama mais ampla de recursos: orientação familiar, psiquiatria, psicoterapia duas ou mais vezes por semana, grupos de mútua ajuda, exames toxicológicos e, eventualmente, internação.
Mas como identificar os diferentes padrões de consumo?
Muitos periódicos médicos usam a nomenclatura empírica criada pela American Psychiatric Association (APA) em um manual intitulado DSM-IV. Nele, a dependência de substâncias (adicção) é definida como “um padrão mal-adaptativo de uso de substâncias que leva a prejuízo ou sofrimento clínico significativo, evidenciado por três (ou mais)” características, que incluem tolerância, abstinência e abandono ou redução de “importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas … em razão do uso da substância”, durante um período de 12 meses.
O termo abuso aplica-se especificamente a substâncias não-prescritas. Assim, o etanol e a cocaína, que não costumam ser prescritos, são considerados drogas de abuso.
O uso indevido de drogas costuma referir-se ao uso impróprio de substâncias prescritas, ou ao uso dessas substâncias para fins não-terapêuticos.
O uso de morfina ou de um benzodiazepínico para outros fins que não sua indicação terapêutica, ou em dose maior ou mais frequente do que a indicada, constitui uso indevido da substância.
Por vezes, a linha que separa o abuso do uso indevido é indistinta. Por exemplo, a nicotina (tecnicamente uma droga de abuso) – na forma de adesivo ou goma de mascar – pode combater os efeitos da abstinência de nicotina em tabagistas que tentam vencer a dependência.
Até mesmo a distinção entre o uso “terapêutico” e “não-terapêutico” de uma droga pode ser imprecisa, pois muitos casos de abuso têm origem em tentativas de automedicação.
Assim, o etanol pode ser autoadministrado como ansiolítico, embora esse uso não seja monitorado nem endossado por um médico, enquanto a cafeína, talvez a mais usada das substâncias com ação no sistema nervoso central (SNC), é autoadministrada como estimulante para combater a sonolência.
Tolerância, dependência e abstinência
Os termos tolerância, dependência e abstinência podem ser definidos com base em suas ações fisiológicas. Esses vocábulos são igualmente aplicados a drogas prescritas por médicos e não-prescritas.
A tolerância refere-se à diminuição do efeito de uma droga com o uso contínuo.
A primeira administração de uma droga produz uma curva de dose-resposta característica; após administração repetida da mesma droga, porém, a curva de dose-resposta desvia-se para a direita, pois são necessárias doses maiores para produzir a mesma resposta (Figura 1).
O perfil de toxicidade e o perfil de letalidade da droga nem sempre se deslocam da mesma forma ou no mesmo grau que o perfil “terapêutico”, de modo que administrações repetidas podem reduzir o índice terapêutico.
O efeito oposto, denominado sensibilização (também chamado de tolerância inversa), refere-se a um desvio da curva de dose-resposta para a esquerda, de modo que a administração repetida de uma droga provoca um maior efeito de determinada dose ou há necessidade de uma dose menor para obter o mesmo efeito.
É interessante notar que pode haver tolerância e sensibilidade simultâneas a uma droga. Os mecanismos subjacentes à tolerância e sensibilização foram temas de pesquisas importantes.
A dependência física (ou dependência fisiológica) refere-se aos sinais e sintomas físicos adversos provocados pela abstinência de uma droga e é provocada por muitos mecanismos iguais aos que causam tolerância.
Como na tolerância, os pontos de referência homeostáticos são alterados para compensar a presença da droga.
Se o uso da droga for interrompido, os pontos de referência alterados provocam efeitos inversos àqueles que ocorrem na presença da droga.
Por exemplo, a interrupção abrupta do uso de um analgésico opioide causa hipersensibilidade a estímulos dolorosos (além de outros sintomas), ao passo que a interrupção abrupta do uso de um sedativo/hipnótico barbitúrico provoca insônia, ansiedade e agitação (entre outros sintomas).
Dependência Psicológica
A dependência psicológica é um fenômeno mais complexo que pode ocorrer mesmo com drogas que não causam tolerância e dependência física. A dependência psicológica ocorre sempre que uma droga afeta o sistema de recompensa encefálico.
As sensações agradáveis produzidas causam o desejo de continuar usando a droga. Quando o uso da droga é interrompido, as adaptações ocorridas no sistema de recompensa encefálico manifestam-se como disforia e “fissura” pela droga.
Assim, tanto a dependência física quanto a dependência psicológica são causadas por alterações nos processos de homeostase, mas esses processos ocorrem em regiões diferentes do encéfalo.
Adicção
Este artigo usa o termo adicção como sinônimo de dependência. Como observado nos critérios do DSM (Quadro 1), a adicção costuma referir-se ao comportamento compulsivo de uso (e procura) da droga que interfere com as atividades normais e leva o dependente a continuar usando a droga apesar das consequências cada vez piores.
Quadro 1 – Critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) para Dependência de Substâncias (Adicção)
A adicção pode coexistir com a tolerância e a dependência, mas a presença desta última não significa necessariamente adicção. Por exemplo, um paciente tratado com opioide para alívio de dor crônica provavelmente desenvolverá tolerância à droga e necessitará de doses maiores com o tempo.
No entanto, isso não significa necessariamente adicção ao opioide e provavelmente será possível reduzir a dose aos poucos e, por fim, eliminar o analgésico quando cessar a dor.
Nesse caso, o paciente é considerado tolerante e dependente do opioide, mas não adicto. A tolerância e a dependência são adaptações fisiológicas normais ao uso contínuo de uma droga, ao passo que a adicção representa um estado de má-adaptação.
Fonte: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3319241/mod_resource/content/1/Farmacologia%20da%20dependencia%20e%20abuso%20%20de%20drogas.pdf
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